A Cidade de Nossos Sonhos



Guerra no Oriente Médio, violência nas cidades, presídios superlotados, pessoas sem teto, sem trabalho, sem comida e sem esperança! Quando não ouvimos estas e outras notícias terríveis nos noticiários de rádio e televisão, presenciamos esta deprimente realidade em nosso dia-a-dia, o que talvez seja ainda pior.


Fugindo à estes fatos, podemos conduzir nossos pensamentos para outras paragens, e por que não Nosso Lar(1). Quem não lembra da descrição do Parque das Águas, do aeróbus, das alamedas arborizadas, dos ministérios... Tudo tão bem descrito pelo irmão André Luiz, que temos a impressão de estarmos vendo um belo filme. É a cidade dos nossos sonhos.


Mas, quando voltamos a si e retornamos às ruas de nossa realidade atual (especialmente grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo), que diferença. São sujeira e buracos espalhados por toda parte. Some-se a isto um congestionamento no trânsito que é capaz de enlouquecer até o mais manso dos motoristas. As pessoas passam apressadamente de um lado para outro sem se notarem, nem mesmo se cumprimentarem.


No meio de tanta confusão e, por que não dizer, de uma certa depressão, a imagem de Nosso Lar volta-nos à mente em breves instantes, como uma ponta de esperança, uma luz em meio à escuridão. Suportamos a dura realidade porque, ao desencarnar, iremos para lá. Umbral, nem pensar! Nosso sonho é morar em Nosso Lar. Lá é que seremos realmente felizes.


Reflitamos um pouco...


O que torna Nosso Lar tão diferente? A cidade em que vivemos agora, enquanto encarnados, não pode ser tão boa quanto a espiritual? Há algo de físico ou científico que impeça a felicidade no mundo material? Seria o plano material destinado ao sofrimento dos que aqui se encontram?


Infelizmente, parece-nos que as únicas diferenças somos nós mesmos, nossa maneira de pensar e agir. A matéria por si só não impede a construção de uma sociedade mais equilibrada e feliz. As pessoas que não conseguem conviver em harmonia aqui na crosta terrestre, também não o fazem quando desencarnam, somando-se às multidões que vagam perdidas no Umbral.


Não há nada de diferente entre as praças daqui e as de Nosso Lar, a não ser o lixo que nós mesmos jogamos ou os bancos que destruímos. A diferença entre as límpidas águas da represa de lá e a imundície de nossos rios e lagoas está no esgoto e nos dejetos industriais que despejamos continuamente sem o tratamento adequado, não por ignorância, pois já se sabe como tratá-los, mas por egoísmo e avareza.


Se vivemos mal, é porque assim queremos ou nada fazemos para mudar.


Enquanto em Nosso Lar todos vibram, pensam e agem no bem,aqui isto é bem menos comum. Se lá todos trabalham em benefício da coletividade, aqui vive-se a supervalorização da individualidade. O que importa é o “Eu”, é a minha felicidade, custe o que custar. O coletivo aqui é sinônimo de sem dono, sem cuidado.


Estamos sempre fazendo preces e enviando mensagens de um mundo melhor, mas para que isto aconteça não bastam palavras ou anseios, é necessário agir.


Trata-se da ação política ao escolhermos os governantes e representantes que estejam realmente engajados num esforço de melhoria da situação atual. Votar em alguém simplesmente por ser nosso amigo ou para obter algum tipo de vantagem pessoal nada mais é que egoísmo.


Trata-se da ação cívica de zelarmos pelo bem comum, pelo bem público, e de respeitarmos os direitos dos demais cidadãos, assim como queremos ter os nossos direitos respeitados.


Trata-se da ação educadora, de ensinarmos nossos filhos o que é viver em coletividade; ensiná-los o respeito ao próximo, a dividir, a ajudar.


Cabe-nos ainda, orientar os irmãos que, por não terem uma educação consistente em casa e na escola, não sabem o que é uma sociedade de bem e não aprenderam a viver em harmonia.


Trata-se da ação cristã básica de fazermos ao próximo, e a todos indistintamente, aquilo que gostaríamos que nos fizessem, amando nossos irmãos assim como Jesus nos ama.


Se queremos uma vida melhor, não bastam apenas sonhos e esperanças passivas. Temos que contribuir ativamente no processo de renovação, a começar pela nossa transformação moral, dever primeiro de todo espírita.


Deixemos de lado o egoísmo, a vaidade, o orgulho e a prepotência. Vivamos de maneira simples mas feliz, assim como nosso Mestre o fez. Sejamos bons, mas sejamos ativos.


Allan Kardec, em O Livro do Espíritos(2), na pergunta 932, questiona os irmãos desencarnados sobre a razão pela qual o mal parece prevalecer sobre o bem na Terra e a resposta dos espíritos resume-se a: os bons são tímidos.


Não podemos mais ter vergonha de fazermos as coisas certas. Mesmo sabendo de nossas atuais imperfeições e dos muitos erros que ainda cometemos, devemos nos alegrar com nossos acertos.


Devolver o troco recebido a mais, ou algum objeto encontrado, não é atitude de um tolo, mas sim de gente honesta.


Não deixar as crianças beberem, fumarem, assistirem programas nocivos que passem na televisão ou vestirem roupas excessivamente sensuais não é coisa de pai (ou mãe) chato(a), quadrado(a) ou opressor(a), mas sim de pessoas conscientes de sua função educadora nesta encarnação.


Ter uma religião, fazer o evangelho no lar (mesmo quando há visitas) e levar os filhos para a evangelização não é coisa de fanático, mas sim de espíritos preocupados com o aprimoramento próprio e de sua família.


Fugir de conversas infrutíferas sobre a vida alheia não é um comportamento anti-social, mas um excelente exemplo de disciplina mental ao não compactuar com a maledicência.


Na pergunta 799 de
O Livro dos Espíritos, Kardec questiona: - “De que maneira o Espiritismo pode contribuir para o progresso?”; e os irmãos desencarnados respondem: - “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos”.


A Doutrina Espírita é, portanto, uma alavanca para o progresso, uma excepcional ferramenta, mas a obra é daquele que a manuseia corretamente, e não da ferramenta em si. O pentateuco Kardequiano e as centenas de obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier, Divaldo Pereira Franco, entre muitos outros, devem sair das prateleiras das estantes para os nossos corações, mentes e braços.


Ir ao grupo espírita deve passar a ser uma oportunidade de trabalho, de fazermos algo por alguém, e não somente um momento para orarmos, tomarmos passe e bebermos água fluidificada.


Há inúmeros irmãos precisando de um ombro amigo, de um ouvido atento, um abraço fraterno.


Há milhares de pessoas que desconhecem a Doutrina Espírita, que não sabem ou não compreendem o que é a reencarnação, que nunca ouviram falar em perispírito.


Há tantas coisas que podemos fazer que não custam nada além de uns poucos minutos e da nossa disposição.


Repetindo uma vez mais as palavras do Codificador em
O Livro dos Espíritos (comentários após a pergunta 789): “A Humanidade progride, por meio de indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros”.


O milênio já mudou, mas o mundo ainda não.


Vós sois o sal da Terra!” disse o Mestre Jesus no alto do monte(3).


Que possamos todos nós espíritas ser uma pequenina pitada de sal a temperar o nosso planeta, ajudando a acabar com o gosto amargo do sofrimento, e sejamos felizes pelos próprios méritos, construindo uma sociedade melhor.


(1) Cidade existente no plano espiritual e retratada magistralmente pelo irmão André Luiz (desencarnado), em obra que recebe o mesmo nome, Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier, edição da FEB.

(2) Kardec, Allan; O Livro dos Espíritos; Traduzido do original francês (1857) e editado pela FEB.

(3) Evangelho de Mateus - 5:13.



Marcelo Silva Bortolini de Castro

O autor é Cap QEM e Diretor da CME


Retirado do site CME – Cruzada dos Militares Espíritas