O milagre da água



Roberto era alcoólatra e a doença se agravou depois que se separou da esposa e, de quebra, dos filhos. Foi morar com Marisa, sua irmã mais velha, que já não sabia mais como convencê-lo a se tratar. Deprimido, ele costumava dizer que já não tinha mais motivos para viver, que não procuraria ajuda porque melhor seria mesmo morrer.


Marisa, religiosamente, trazia água fluidificada do centro espírita que frequentava, confiante de que aquela energia ajudaria seu irmão e usava de alguns artifícios para fazê-lo ingeri-la.


A mãe deles zombava da “ingenuidade” de Marisa, que cria piamente estar Roberto sendo beneficiado. Aquela senhora não fazia idéia de como se pode beneficiar a água e, então, revoltada com o caminho trilhado pelo filho, descarregava na filha o seu inconformismo.


Passaram-se sete anos e numa manhã fria de inverno, Marisa encontrou seu irmão morto. Um enfarto fulminante agilizara a desencarnação. Da outra dimensão, espíritos amigos dessa família abençoavam Marisa, envolvendo-a em energia suficiente para lidar com os trâmites necessários ao funeral. Um pouco antes do velório, sua mãe, desconsolada lhe disse: “E você por sete anos lhe dando aquela água, como se fora um remédio... como pode ser tão tola e acreditar que o salvaria?” Marisa respondeu-lhe com o silêncio. O silêncio que só as criaturas que conhecem o poder da caridade podem fazer. O silêncio que é prece, que é amor, que é gratidão, que é perdão.


Na outra dimensão, Roberto ainda estava desacordado. Imediatamente socorrido, foi levado por seres encarregados de cuidá-lo para uma espécie de hospital de uma cidade espiritual que fica “próxima” da cidade de Turim, na Itália, não por coincidência, cidade de seus antepassados.


Um senhor, de nome Pietro, acompanhava a investigação do perispírito feita pelo médico, que o informava que seriam necessários o tratamento do corpo semimaterial e uma nova experiência terrena para sanar os efeitos do álcool naquele espírito. Essa seria uma boa oportunidade de Roberto aprender a abençoar a própria vida: renascendo.


Pietro agradeceu ao médico e “viajou” para a Terra, para a dimensão onde o corpo de Roberto estava sendo velado, onde encontrou muitos de seus descendentes, a quinta geração de sua última vida terrena. Um misto de gratidão e orgulho lhe envolveu o coração e ele orou, fervorosamente, pedindo o concurso amigo de Maria de Nazaré para aquela hora dolorosa, que no geral não era bem aceita pela maioria das pessoas. O ambiente foi iluminado por minúsculas flores perfumadas, resultado certo e certeiro para uma oração sincera. As pessoas mais sensíveis sentiram uma ação benfazeja, mas não souberam explicá-la.


Ao lado do corpo velado, a ex-esposa de Roberto teatralizava uma dor que não sentia, incapaz de imaginar que outros olhos existem que lhe podiam ler a alma. Ciara conseguia com isso impressionar alguns, mas seu coração não sossegava com a cena. Era preferível poder ser franca e contar para todos que estava aliviada com aquela morte, que estava livre para não mais lidar com as dificuldades que o alcoolismo traz.


Enquanto isso, Pietro se acercava de Marisa e lhe falava, como se estivesse ali de “corpo presente”: “Não permita que outras pessoas enfraqueçam sua crença no Bem. A água fluidificada impediu uma ação mais nefasta do que a própria morte; impediu que o Roberto causasse mais dor, mais sofrimento, impediu que ele se suicidasse. Os fluidos da água formaram um escudo protetor que foi enfraquecendo o desejo que ele tinha de pôr fim à própria vida.” Marisa nada ouvia, mas se sentia fortalecida; chegou a pensar que “intuiu” sobre a verdadeira ação da água na vida do Roberto.


Depois do enterro, Marisa saiu do cemitério com sua sobrinha Mirna, que sem delongas foi logo dizendo:


- Tia, eu vi quando um homem parecido com o vovô, na realidade, um espírito, se aproximou de você para contar sobre o milagre da água.


Mirna reproduziu as palavras de Pietro, acentuando a importância da fé da tia no processo que coibiu o suicídio. Marisa empalideceu. Estava acostumada com o Espiritismo, mas nunca fora testemunha de um acontecimento deste gênero. Para ela estava claro que Mirna não podia ter inventado algo que ela mesma acreditava ter intuído. Agora sabia que tinha “mais ou menos ouvido”.


Pietro as envolvia num gostoso abraço e Marisa, embasbacada com a atuação de sua sobrinha, alegrava-se por vislumbrar um mundo melhor, feito pelos jovens de boa vontade. Abandonou seus pensamentos com a chegada de outra sobrinha, que havia se atrasado para a cerimônia. Lucinda trazia nos braços sua filha Nádia, um lindo bebê.


Pietro emocionou-se ao olhar aquela pequena criatura: “Se tudo caminhar como planejado, Nádia será sua avó e bisavó de Roberto. Nádia será apresentada ao Espiritismo por sua tia Mirna e, já na adolescência passará a manifestar amor e gratidão, ensinando pelo exemplo, que a vida deve ser vivida e abençoada. Aos 22 anos reencontrará Aulius (que já havia reencarnado há cinco anos) e, juntos, formarão uma sólida e feliz família. Terão dois filhos, um dos quais será pai de Pietro.Todos juntos estarão, novamente, reconstruindo laços de afeto, através da compreensão e do exercício do amor fraternal. Formam um grande grupo de seres que haviam vivido muitas experiências terrenas juntos, que haviam usado algumas em vão, mas agora, conscientes, saberiam colaborar com o Cristo, promovendo a ascensão de todos. Reunirão em seu seio afetos e desafetos e juntos caminharão rumo à Luz Infinita.”


Mirna beijou o bebê e disse para Marisa: “Olha tia, como ela é a cara do tio Roberto!”


Todas sorriram. A pequena Nádia que olhava para Pietro e o enxergava claramente, para ele sorriu. Marisa, Mirna e Lucinda, acreditando que o bebê entendia a observação da tia, riram mais ainda.


Por Merit Rabanés

Retirado do site Somos Todos Um